Estou
na rota dos carros alucinados, perigosos nessa vibrante onda de maldade e
doença a percorrer as casas de todas as vitimas do medo contemporâneo. Não há
promessa de amparo que seja fiel à nossa confiança, uma vez que somos
diariamente enganados pelo laço perverso dos gênios maus da nossa vila de
misérias, e qualquer conselho de conforto é mais desesperador do que a sensação
de presença nos pontos mais enterrados do inferno desconhecido. Estou na rota
dos aviões que viajam irresponsavelmente sobre o céu da minha boca, expulsando
o veneno da facilidade dos dias de hoje, conduzindo, assim, o homem ignorante,
burro e imprestável ao estado mais agudo de preguiça e estagnação mental. O
mundo merece a morte pela via do cansaço, conduzindo a humanidade ao mais
completo estado de abandono e desprezo. Para além dessa carne podre que somos
ainda há estruturas para nós incompreensíveis e que expressam mistérios na onda
terrestre de vestígios de solidão perfurada na ilusão familiar que muitos,
tomados por uma carga confusa de sentimentos, ora buscam e ora ignoram, sem
saber ao certo o peso pleno de suas ações.
Estou
na rota dos aviões, vendo lá longe a complexidade desinteressante dos
edifícios, mais para cima vejo o azul do céu que, imagino, se formos num
caminho direto, constante e eterno, não chegaremos a lugar nenhum. As pessoas
não são mais capazes de me despertar curiosidade e a chave da minha mente
retraída não é mais capaz de abrir sequer o cadeado da cadeia onde estou. Na
rota dos aviões não há nada além de espaços ocupados por mentes em atraso. Que
coisa mais estúpida é a humanidade! O ódio é o sentimento da vez e os homens se
rasgam em suas cascas ímpares e incapazes de qualquer grau de associação. O
choro é a atividade física do dia. O corpo nada mais é do que um monturo de
biologia vencida pelo lixo moderno de nossos erros tão comuns e incapazes de
qualquer intenção de correção. E o mundo rola numa esteira descartadora indo
parar no vale da sombra da morte, aquele vale sinistro, bíblico mesmo, onde a
marcha desorganizada dificulta a chegada em qualquer lugar. Meu coração é
negro, terrível, ansioso por cometer crimes que envolva sangue e todas essas
coisas que despertem a dor geral e que marquem o fim desse triste ano e dessa
triste ordem temporal de nossa consciência corrompida pelos tesouros menores
dessa terra odiosa e incapaz de qualquer nível de avanço.
Mas
o que podemos esperar de nossos corações, tão treinados a funcionar tal qual
máquinas descartáveis produzidas em Taiwan? E no silêncio do escuro da noite
ouço uma voz que chama minha irmã, é uma experiência estranha diante de todas
as certezas que temos quando estamos aptos a tocar em todas as nossas certezas,
que são físicas, puramente físicas. Aí eu me lembro do amor, da obrigação
necessária de amar, da manifestação positiva do amor, coisas que ninguém mais
parece lembrar. O amor é uma coisa muito estranha, do ponto de vista das coisas
que compõem as ruas em que corremos, apressados, incapazes de perceber na cara
dos nossos irmãos qualquer expressão que seja: não vemos dor, nem satisfação,
nem desejo de ser socorrido, nada disso, porque nós corremos muito, uns
carregando muito amor, mas outros carregando muita aflição, e outros mais
carregando todos os sentimentos que há no mundo, numa postura sofrida por estar
sendo estranhamente devorado pela fome dos calendários egoístas na sua
determinação do tempo amargo, de cheiro insuportável e que mata perversamente a
vida que ainda teima em existir sobre a terra.
Eu,
que estou na rota dos aviões, de tanto me iludir com esse sonho ausente do
real, vagando por espaços que não me suportam, acabei sendo atropelado por um
avião da tam e morri no dia marcado para o fim do mundo, mas essa nem
Nostradamus esperava, nem a civilização maia, reduzida a um punhado de famintos
pelo decorrer do tempo. O mundo não acabou, mas eu morri a partir do momento
que percebi o clima de chatice que me cobria. No lugar onde estou eu procurei
consultar a sabedoria dos filósofos gregos, dos altos líderes católicos, dos
curandeiros ameríndios e dos cientistas árabes e vi, lá além daquele monte de
bandeiras de amor, pessoas que expandiam a mente e apontavam para o grande
mecanismo perverso que rege as civilizações, lançando ao vento furioso os mais
diversos insultos capazes de abalar com força qualquer juízo inocente alheio a
tudo isso. Eu vi os sonhos dos animais serem confeccionados na selva calma dos
espíritos mansos e, do outro lado do espelho eu percebi as fossas abertas
lançando sujeira na porta das donas de casa ocupadas em tecerem fofocas sobre
as filhas alheias. Eu, que estava na rota dos aviões, fui lançado em outros
mundos para repensar tudo o que eu já pensava, e até mesmo a bananeira
espacial, bonita, sábia e amiga me privou de suas considerações acerca do que
acontecia no espaço de seu caule e de suas raízes. Pensei, como todo mundo
pensa algum dia, em materializar o crime insano de, com um facão na mão, cortar
freneticamente a bananeira, vendo suas fibras caírem, retalhadas, sobre o solo
lamacento que eu fiz para desenvolver sua vida, mas deixei para lá. O mundo é
isso mesmo: um corredor decorado com obras da arte de produzir injustiças...
Nenhum comentário:
Postar um comentário