sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A condição do regresso feliz.

Despertado num quarto claro, vi-me assustado pelo assombro do desconhecido.
Olhei para os cantos e não consegui identificar nada de familiar. Não podia fazer isso porque aquele espaço se revelava como algo novo, uma geografia que me impunha uma nova experiência e que exigia de mim um maior entendimento da situação. Ainda assim, sem compreender o alcance daquilo que se passava, busquei até onde minha vista abarcava algum sinal que pudesse me traduzir a confusões que me surgiam diante do agora vivido. Olhei pela janela e vi um céu que pela primeira vez se revelava azul, mas não pude me levantar e ir de encontro com essa natureza. Sentia-me pesado sobre a cama em que me encontrava em repouso. Meu peito doía muito e minhas pernas estavam insensíveis a qualquer ação. Olhei então para uma porta que se encontrava à minha direita. Busquei de toda maneira chamar a atenção dos transeuntes que passavam pelo outro lado dessa porta. Ouvia vozes sóbrias, mas não tinha conhecimento dos falantes.
Esperei sabe Deus quanto tempo para que alguém viesse ao meu encontro e dizer o que estava acontecendo. O tempo, no entanto, era outro e cada vez mais o dia se tornava mais claro e mais bonito, porém sofrido porque minha inquietude me abalava crescentemente pela falta de noção do percurso das coisas que aconteciam ocultamente ali. Busquei aquele momento para criar uma paz e tomar controle sobre a violência dos meus olhos que tremiam como se fosse uma grande represa a suportar a força das águas revolta o mundo. Olhei para o teto, para todos os lados e para a porta. Nada me dava notícia sobre nada.
Fechei os olhos e me vi, então, sobre uma árvore, sentado na última folha de seu galho mais alto. Numa mão eu tinha uma estrela fria e multicolorida ligada sensivelmente às minhas ideias mais contidas e esquecidas, na outra eu tinha uma flor de bogari que perfumava a atmosfera do vasto roçado visto ao norte da minha posição. Meu corpo não era mais aquele que eu conhecia, estando agora sadio, cheio de vida e reluzente na altura da boca. Vacas e bois cruzavam o campo abaixo de mim em busca de repouso sob a árvore enquanto os bezerros famintos fuçavam as tetas das vacas em busca do leite necessário num impulso instintivo de obedecer à vida. Os bichos davam ao lugar um jeito fácil de lembrar-me das infâncias mais marcantes. No entanto agora, sobre a árvore que me trazia vida e base de sustentação e melhoramento, eu pensava apenas nas melhores maneiras de viver, sempre visando os meios mais eficazes de acertar, de ser melhor do que fui há tempos atrás. E certo dos meus erros mais pesados, refleti sobre as coisas menores, vendo vivamente a minha projeção feliz e infantil correndo sobre a estrada do bem, gritando meu próprio nome e sacudindo uma bandeira branca contra a vista dos que se mantinham tristes e abatidos. Lá perto da curva, deparei-me comigo mesmo novamente encontrando comigo, vi-me dizendo um olá amigo, dando um conselho qualquer que me valeria muito e seguindo feliz pela rota que eu escolhi para mim naquela hora urgente.
O vento batia contra meu rosto e em cada choque eu ouvia uma oração encomendada aos meus ouvidos. Então eu me aquietei e recebi todos os presentes que a mim chegavam. Cheiros e sons pareciam diferentes diante das coisas que eu já estava acostumado. O repouso já era mais fácil e o sossego bem vindo depois de tantas guerras vãs nas noites humanas, onde os meninos chorosos encaravam a beleza da vida com a ignorância dos que desconhecem o funcionamento do coração turvo dos seres desinteressantes. O sossego chegava alegre como uma irmã aplicada que lhe penteia os cabelos após o banho assistenciais e lhe conduz à mesa para a primeira refeição do dia.
Despertei e percebi um quarto ainda claro. O vazio, no entanto, foi devorado pela presença amiga de muitos homens e mulheres cordiais que devotavam toda atenção ao meu estado e eu, repousado onde estava, não me estimulei a perguntar nada, pois suas presenças já me contentava. Apenas olhava a todos com uma interrogação expressiva no rosto e todos ali, sem maiores esclarecimentos, apenas diziam que me amavam muito e que moveram todos os seus esforços para o meu bem estar durante todos aqueles anos.
O ambiente foi aos poucos absorvido pelo meu entendimento. Passei então a lançar palavras desconexas no ar, a me agitar, a perguntar por aqueles que havia anos que eu não tinha noticias, a perguntara até mesmo sobre aqueles que eu julgava esquecidos. E perguntei sobre tantas coisas que por horas perdi a linha do raciocínio original. Sem que me satisfizessem a curiosidade, me ofereceram um comprimido e me orientaram a tomar. Após fazer isso, alguém disse:
- Você já provou a sutileza benéfica da reflexão. Entenda que hoje você está melhor. Agora é indispensável o seu regresso à sua cidade. Vá e cuide de sua vida e de sua casa que há muito está trancada e sem zelo. Para isso você tem a sua vida e suas mais fortes vontades que lhe movem ao bem e lhe orienta às atitudes indispensáveis diante da vida.
  


quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O retorno à casa abandonada.


O clichê do Mágico de Oz é uma expressão muito pertinente em minha vida: "lar é um lugar em seu coração".

Não se trata mesmo de um lugar. Onde me sinto em casa é onde penso com liberdade e vivencio sentimentos de plenitude. Isso só se faz possível quando me desapego, mesmo que momentaneamente, das práticas colonizadas pelos vícios da vida urbana, anti-coletiva, cinza e amarga. Existe tanta desgraça no mundo, tantos problemas a enfrentar e tudo que temos para nos fazer humanos são nossas memórias, nossos afetos, nossas saudades, tudo aquilo que selecionamos e guardamos como referência, servindo de chão para a âncora de nossa identidade. Aguentar a rotina e a força do destino não é fácil. Mas o fazemos, mesmo que aos trancos e barrancos. É por isso que, às vezes, precisamos revisitar o lugar onde armazenamos pedaços daquilo que somos e podemos nos sentir inteiros novamente. Falo de um sentimento, que guardamos dentro de nós e que também depositamos nos outros.

Este sentimento é o lugar em si. E por mais que ele esteja empoeirado, não me preocupo. A poeira tem seu charme. Como uma casa abandonada, a mobília quebrada, os ninhos de baratas, as traças, a escuridão, os ruídos, não passam de cicatrizes, e estas só nos servem como prova de que o passado existiu e de que o tempo é real. Sei que ele um dia vai tirar esse lugar de mim. A velhice traz consigo a falta de lucidez, o que embaça os caminhos para as lembranças. Apesar disso, sei também que essa será uma das últimas coisas minhas arrancadas enquanto vivo, e que a morte chegará logo em seguida. Mas o que acho mais importante saber é que, enquanto viver, poderei estar sempre em casa, pois ela existe em mim e naqueles com quem compartilho meu riso e minhas lágrimas. Família, amigos, trajetória, o que sentimos em relação à tudo isso é o mais próximo de uma alma que consigo conceber.

Trocando em miúdos, a alma é como um cigarro aceso no subterrâneo de nossas consciências. Ou em nossos corações. Nada melhor do que um bom trago para tocá-la e lembrar de quem somos.


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Para Ronald, que me fez pensar nesta casa abandonada onde depositamos nossos pensamentos.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Teimosia.

Nem tudo é como a gente espera que seja. Todos projetamos o momento seguinte, mas ele sempre se constrói do seu próprio jeito, seja em um detalhe ou seja no todo. O futuro é incerto, a vida é dura, cada passo requer muita atenção, e nem sempre nós temos isso em mente entre o acordar e o dormir. É preciso escovar os dentes preparado para a pia cair no seu pé. É preciso almoçar esperando o momento de engasgar. É preciso ir pro trabalho sabendo da possibilidade de um atropelamento, de um assalto ou de uma demissão. É preciso ter consciência de tudo isso e, mesmo assim, não ter medo das mazelas, do azar, do destino. Viver é um ato de teimosia, é uma briga com o acaso que travamos cotidianamente. As vezes estamos vencendo essa briga e as vezes não, enquanto você não desistir dela existe margem para o controle do que acontece com sua vida.
Tenha certeza de que a pia cairá no seu pé, que irá se engasgar com o almoço, que um carro lhe atropelará, que será assaltado, que será demitido, que tudo de ruim no mundo vai acontecer, mas, mesmo assim, siga adiante e arrisque o próximo passo.

Em 03/08/2012.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A Rota dos Aviões.


Estou na rota dos carros alucinados, perigosos nessa vibrante onda de maldade e doença a percorrer as casas de todas as vitimas do medo contemporâneo. Não há promessa de amparo que seja fiel à nossa confiança, uma vez que somos diariamente enganados pelo laço perverso dos gênios maus da nossa vila de misérias, e qualquer conselho de conforto é mais desesperador do que a sensação de presença nos pontos mais enterrados do inferno desconhecido. Estou na rota dos aviões que viajam irresponsavelmente sobre o céu da minha boca, expulsando o veneno da facilidade dos dias de hoje, conduzindo, assim, o homem ignorante, burro e imprestável ao estado mais agudo de preguiça e estagnação mental. O mundo merece a morte pela via do cansaço, conduzindo a humanidade ao mais completo estado de abandono e desprezo. Para além dessa carne podre que somos ainda há estruturas para nós incompreensíveis e que expressam mistérios na onda terrestre de vestígios de solidão perfurada na ilusão familiar que muitos, tomados por uma carga confusa de sentimentos, ora buscam e ora ignoram, sem saber ao certo o peso pleno de suas ações.
Estou na rota dos aviões, vendo lá longe a complexidade desinteressante dos edifícios, mais para cima vejo o azul do céu que, imagino, se formos num caminho direto, constante e eterno, não chegaremos a lugar nenhum. As pessoas não são mais capazes de me despertar curiosidade e a chave da minha mente retraída não é mais capaz de abrir sequer o cadeado da cadeia onde estou. Na rota dos aviões não há nada além de espaços ocupados por mentes em atraso. Que coisa mais estúpida é a humanidade! O ódio é o sentimento da vez e os homens se rasgam em suas cascas ímpares e incapazes de qualquer grau de associação. O choro é a atividade física do dia. O corpo nada mais é do que um monturo de biologia vencida pelo lixo moderno de nossos erros tão comuns e incapazes de qualquer intenção de correção. E o mundo rola numa esteira descartadora indo parar no vale da sombra da morte, aquele vale sinistro, bíblico mesmo, onde a marcha desorganizada dificulta a chegada em qualquer lugar. Meu coração é negro, terrível, ansioso por cometer crimes que envolva sangue e todas essas coisas que despertem a dor geral e que marquem o fim desse triste ano e dessa triste ordem temporal de nossa consciência corrompida pelos tesouros menores dessa terra odiosa e incapaz de qualquer nível de avanço.
Mas o que podemos esperar de nossos corações, tão treinados a funcionar tal qual máquinas descartáveis produzidas em Taiwan? E no silêncio do escuro da noite ouço uma voz que chama minha irmã, é uma experiência estranha diante de todas as certezas que temos quando estamos aptos a tocar em todas as nossas certezas, que são físicas, puramente físicas. Aí eu me lembro do amor, da obrigação necessária de amar, da manifestação positiva do amor, coisas que ninguém mais parece lembrar. O amor é uma coisa muito estranha, do ponto de vista das coisas que compõem as ruas em que corremos, apressados, incapazes de perceber na cara dos nossos irmãos qualquer expressão que seja: não vemos dor, nem satisfação, nem desejo de ser socorrido, nada disso, porque nós corremos muito, uns carregando muito amor, mas outros carregando muita aflição, e outros mais carregando todos os sentimentos que há no mundo, numa postura sofrida por estar sendo estranhamente devorado pela fome dos calendários egoístas na sua determinação do tempo amargo, de cheiro insuportável e que mata perversamente a vida que ainda teima em existir sobre a terra.
Eu, que estou na rota dos aviões, de tanto me iludir com esse sonho ausente do real, vagando por espaços que não me suportam, acabei sendo atropelado por um avião da tam e morri no dia marcado para o fim do mundo, mas essa nem Nostradamus esperava, nem a civilização maia, reduzida a um punhado de famintos pelo decorrer do tempo. O mundo não acabou, mas eu morri a partir do momento que percebi o clima de chatice que me cobria. No lugar onde estou eu procurei consultar a sabedoria dos filósofos gregos, dos altos líderes católicos, dos curandeiros ameríndios e dos cientistas árabes e vi, lá além daquele monte de bandeiras de amor, pessoas que expandiam a mente e apontavam para o grande mecanismo perverso que rege as civilizações, lançando ao vento furioso os mais diversos insultos capazes de abalar com força qualquer juízo inocente alheio a tudo isso. Eu vi os sonhos dos animais serem confeccionados na selva calma dos espíritos mansos e, do outro lado do espelho eu percebi as fossas abertas lançando sujeira na porta das donas de casa ocupadas em tecerem fofocas sobre as filhas alheias. Eu, que estava na rota dos aviões, fui lançado em outros mundos para repensar tudo o que eu já pensava, e até mesmo a bananeira espacial, bonita, sábia e amiga me privou de suas considerações acerca do que acontecia no espaço de seu caule e de suas raízes. Pensei, como todo mundo pensa algum dia, em materializar o crime insano de, com um facão na mão, cortar freneticamente a bananeira, vendo suas fibras caírem, retalhadas, sobre o solo lamacento que eu fiz para desenvolver sua vida, mas deixei para lá. O mundo é isso mesmo: um corredor decorado com obras da arte de produzir injustiças...

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Sobre o teorema da corda quebrada.

No meio de tantas reflexões, vejo um cara perdido nas tentativas enfileiradas de montar todas aquelas peças espalhadas pelo chão, e foi montando, montando, que se foi criando sentido, foi se mostrando coerência e ele foi, pouco a pouco, solucionando problemas que emergiam nas faturas vencidas do cartão e no desespero incerto de alternativas mais urgentes. As câmeras na mão tentam registrar o incompreensível no tal teorema da corda quebrada.O lápis se guia no sentido de esclarecer o teorema da corda quebrada. As redes armadas na varanda não suportam o peso por razão da corda quebrada, e o teorema voa como um míssil  israelense na direção do rosto dos estudiosos que não se sustentam sem a corda inteira. Se o peso é grande, a corda quebra e o espírito cai por não suportar além do que ele pode suportar. Essa é a corda quebrada da nossa existência, dos casos ocultos nas linhas de nossos livros que quebram nossos estudos e enfeitiça os curiosos, envenenando o ar com a matemática do absurdo na engenharia perfeita de todos os nossos erros, do holocausto e do napalm a absorver a saúde das crianças e da humanidade em si, na fumaça da fogueira insana a escurecer a vista dos pássaros perdidos nos cabelos mortos das múmias famintas. A corda quebrada quebra nossos elos, sufoca nossas vontades, escraviza os pequenos e prende nossos punhos, já impossíveis de suportar a força e a pressão contra nossa carne. O sangue não corre pois a corda não quebra, e ouço a palavra "quebrada" dentro da minha cabeça, enquanto as tradições beijam o dinheiro daqueles que acenam e dizem "adeus" para o Brasil e toda a sua vergonha caracterizada no seu atraso e no seu amadorismo enquanto projeto de nação. Esse é o teorema da corda quebrada, e nem Arquimedes, nem Descartes, nem os mais expressivos matemáticos árabes ou marcianos saberiam solucionar ele com a mesma irresponsabilidade que eu assumi aqui para solucioná-lo.
Adeus terra das brincadeiras tristes, sempre te odiarei, e se acaso eu voltar, esganarei tua garganta com a ultima trança confeccionada com a insanidade do que sobrou desta bendita corda quebrada.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Chovendo espera.


São estas as minhas esperas: penso que a chuva já deveria chegar para lavar nossa calçada e talvez nos servir de alegria nas nossas brincadeiras sob as bicas d’água da nossa nova rua. Como seria bom molhar o rosto e afastar esse calor insuportável do meio dia, trazendo para a minha carne a sensação gostosa de vida, vendo essa água escorrer pelas minhas mãos, molhando os cachos dos meus cabelos, curtindo os pingos que se formam no espaço desse céu cor de metal que pertence exclusivamente a nós. Penso que a chuva virá na urgência própria dos que espera uma boa noticia, e brincaremos muito, esquecendo o cansaço diário das chatices que invadem nossas cabeças. Assim, por desejar essa vida, esqueceremos nossas responsabilidades de adultos e libertaremos essa infância adormecida por trás de nossa retina, que deseja muito voar sobre a cabeça de nossas preocupações. Aí eu te vejo tão assim, paradinha, quieta no que sente, que eu fico pensando em tudo isso e fico triste porque não dá pra ser da maneira que eu espero. Amanhã eu vestirei a camisa que não preciso, passarei os dedos entre os cabelos, afastando-os dos olhos e sairei de casa, abrindo meu corpo aos perigos da vida, atravessando aquele campinho esturricado pelo sol forte a ponto de me cegar e, como sempre é, vou olhando, desconfiado, para cada lado da rua, vendo as coisas encobertas pelas cascas feias do caos urbano, das feras que povoam esses bairros tristes em suas irregularidades estruturais e em tudo que me desperta desgosto de viver da maneira que não quero. É triste dividir a cadeira do ônibus com pessoas que não conheço, e que talvez nunca mais vou ver. É triste viver fora do lar, fora dos planos adequados para as nossas reais naturezas. Mas também é fantástico encontrar em cada retorno à nossa casa o universo que nós escolhemos para nós. Cada coisa desse espaço é muito parecido com nós mesmos, tudo da maneira que queremos e construímos, tudo muito pertencente a nós, que fazemos tudo isso com muito amor no coração. E era, como ainda é, agradável ver o tempo passar através dos teus olhos: não há dia, não há noite, nem muito menos aquela hora meio claro meio escuro,  o que há no nosso tempo é a eterna alegria das horas dos teus olhos, pois são neles que eu vejo a necessidade de dormir, de acordar, de caminhar na estrela espiritual de tua mão auxiliadora que empunha a flor de nossa jornada, lançando pelas dunas que se formam na concha de minhas mãos o cheiro de planta molhada pela chuva que, de tanto esperarmos, chegou como as vozes dos meninos brincadores dos quintais de nossos projetos e desejos. Da janela surge as galhadas daquela árvore bonita que permanece serena diante da rotina atormentadora de dias, semanas, meses e tempos incorruptíveis pelos vícios do meu relógio desesperado de tanto desejar a hora do retorno à paz, e quando eu finalmente sento e me aquieto, eu vejo os espíritos das horas de sossego que chegam sempre, sem maiores reservas, para falar sobre àquelas coisas que eu não compreendo, mas que gosto de ouvir, porque traz sempre na sonoridade das palavras a mensagem serena de alerta sobre todas as coisas que muitas vezes não nos atentamos. Mas a paz da tua mão rompe todas as barreiras da alegria e do tédio, mexe com o espaço num vendaval de sensações e lança todas as aflições para o alto, fazendo cair sobre o telhado das casas apenas a chuva de todas as nossas esperas.


O Homem.

Por fim o homem, aquele que é base e ponta de todas as dores, que pronuncia o pecado sobre o ombro do amor e que manifesta qualquer maldade nas páginas de suas principais lembranças de menino. Esse é o homem, humano, pai das tormentas e órgão vital da natureza infeccionada. Ele é o homem habitante dessa terra sinistra e caminha de acordo com sua força, sua idade e sua disposição. se for preciso amar, ele ama, se for preciso matar, ele mata, se for preciso fugir, foge e não há outros meios de atingi lo senão pelas suas próprias ambições. Peixe morto pela boca, passarinho preso na arapuca, homem cativo do dinheiro. Homem pai da solidão, é ele, e mais ninguém, o beijo universal e variante de nossos medos.