quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O retorno à casa abandonada.


O clichê do Mágico de Oz é uma expressão muito pertinente em minha vida: "lar é um lugar em seu coração".

Não se trata mesmo de um lugar. Onde me sinto em casa é onde penso com liberdade e vivencio sentimentos de plenitude. Isso só se faz possível quando me desapego, mesmo que momentaneamente, das práticas colonizadas pelos vícios da vida urbana, anti-coletiva, cinza e amarga. Existe tanta desgraça no mundo, tantos problemas a enfrentar e tudo que temos para nos fazer humanos são nossas memórias, nossos afetos, nossas saudades, tudo aquilo que selecionamos e guardamos como referência, servindo de chão para a âncora de nossa identidade. Aguentar a rotina e a força do destino não é fácil. Mas o fazemos, mesmo que aos trancos e barrancos. É por isso que, às vezes, precisamos revisitar o lugar onde armazenamos pedaços daquilo que somos e podemos nos sentir inteiros novamente. Falo de um sentimento, que guardamos dentro de nós e que também depositamos nos outros.

Este sentimento é o lugar em si. E por mais que ele esteja empoeirado, não me preocupo. A poeira tem seu charme. Como uma casa abandonada, a mobília quebrada, os ninhos de baratas, as traças, a escuridão, os ruídos, não passam de cicatrizes, e estas só nos servem como prova de que o passado existiu e de que o tempo é real. Sei que ele um dia vai tirar esse lugar de mim. A velhice traz consigo a falta de lucidez, o que embaça os caminhos para as lembranças. Apesar disso, sei também que essa será uma das últimas coisas minhas arrancadas enquanto vivo, e que a morte chegará logo em seguida. Mas o que acho mais importante saber é que, enquanto viver, poderei estar sempre em casa, pois ela existe em mim e naqueles com quem compartilho meu riso e minhas lágrimas. Família, amigos, trajetória, o que sentimos em relação à tudo isso é o mais próximo de uma alma que consigo conceber.

Trocando em miúdos, a alma é como um cigarro aceso no subterrâneo de nossas consciências. Ou em nossos corações. Nada melhor do que um bom trago para tocá-la e lembrar de quem somos.


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Para Ronald, que me fez pensar nesta casa abandonada onde depositamos nossos pensamentos.

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