segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A Rota dos Aviões.


Estou na rota dos carros alucinados, perigosos nessa vibrante onda de maldade e doença a percorrer as casas de todas as vitimas do medo contemporâneo. Não há promessa de amparo que seja fiel à nossa confiança, uma vez que somos diariamente enganados pelo laço perverso dos gênios maus da nossa vila de misérias, e qualquer conselho de conforto é mais desesperador do que a sensação de presença nos pontos mais enterrados do inferno desconhecido. Estou na rota dos aviões que viajam irresponsavelmente sobre o céu da minha boca, expulsando o veneno da facilidade dos dias de hoje, conduzindo, assim, o homem ignorante, burro e imprestável ao estado mais agudo de preguiça e estagnação mental. O mundo merece a morte pela via do cansaço, conduzindo a humanidade ao mais completo estado de abandono e desprezo. Para além dessa carne podre que somos ainda há estruturas para nós incompreensíveis e que expressam mistérios na onda terrestre de vestígios de solidão perfurada na ilusão familiar que muitos, tomados por uma carga confusa de sentimentos, ora buscam e ora ignoram, sem saber ao certo o peso pleno de suas ações.
Estou na rota dos aviões, vendo lá longe a complexidade desinteressante dos edifícios, mais para cima vejo o azul do céu que, imagino, se formos num caminho direto, constante e eterno, não chegaremos a lugar nenhum. As pessoas não são mais capazes de me despertar curiosidade e a chave da minha mente retraída não é mais capaz de abrir sequer o cadeado da cadeia onde estou. Na rota dos aviões não há nada além de espaços ocupados por mentes em atraso. Que coisa mais estúpida é a humanidade! O ódio é o sentimento da vez e os homens se rasgam em suas cascas ímpares e incapazes de qualquer grau de associação. O choro é a atividade física do dia. O corpo nada mais é do que um monturo de biologia vencida pelo lixo moderno de nossos erros tão comuns e incapazes de qualquer intenção de correção. E o mundo rola numa esteira descartadora indo parar no vale da sombra da morte, aquele vale sinistro, bíblico mesmo, onde a marcha desorganizada dificulta a chegada em qualquer lugar. Meu coração é negro, terrível, ansioso por cometer crimes que envolva sangue e todas essas coisas que despertem a dor geral e que marquem o fim desse triste ano e dessa triste ordem temporal de nossa consciência corrompida pelos tesouros menores dessa terra odiosa e incapaz de qualquer nível de avanço.
Mas o que podemos esperar de nossos corações, tão treinados a funcionar tal qual máquinas descartáveis produzidas em Taiwan? E no silêncio do escuro da noite ouço uma voz que chama minha irmã, é uma experiência estranha diante de todas as certezas que temos quando estamos aptos a tocar em todas as nossas certezas, que são físicas, puramente físicas. Aí eu me lembro do amor, da obrigação necessária de amar, da manifestação positiva do amor, coisas que ninguém mais parece lembrar. O amor é uma coisa muito estranha, do ponto de vista das coisas que compõem as ruas em que corremos, apressados, incapazes de perceber na cara dos nossos irmãos qualquer expressão que seja: não vemos dor, nem satisfação, nem desejo de ser socorrido, nada disso, porque nós corremos muito, uns carregando muito amor, mas outros carregando muita aflição, e outros mais carregando todos os sentimentos que há no mundo, numa postura sofrida por estar sendo estranhamente devorado pela fome dos calendários egoístas na sua determinação do tempo amargo, de cheiro insuportável e que mata perversamente a vida que ainda teima em existir sobre a terra.
Eu, que estou na rota dos aviões, de tanto me iludir com esse sonho ausente do real, vagando por espaços que não me suportam, acabei sendo atropelado por um avião da tam e morri no dia marcado para o fim do mundo, mas essa nem Nostradamus esperava, nem a civilização maia, reduzida a um punhado de famintos pelo decorrer do tempo. O mundo não acabou, mas eu morri a partir do momento que percebi o clima de chatice que me cobria. No lugar onde estou eu procurei consultar a sabedoria dos filósofos gregos, dos altos líderes católicos, dos curandeiros ameríndios e dos cientistas árabes e vi, lá além daquele monte de bandeiras de amor, pessoas que expandiam a mente e apontavam para o grande mecanismo perverso que rege as civilizações, lançando ao vento furioso os mais diversos insultos capazes de abalar com força qualquer juízo inocente alheio a tudo isso. Eu vi os sonhos dos animais serem confeccionados na selva calma dos espíritos mansos e, do outro lado do espelho eu percebi as fossas abertas lançando sujeira na porta das donas de casa ocupadas em tecerem fofocas sobre as filhas alheias. Eu, que estava na rota dos aviões, fui lançado em outros mundos para repensar tudo o que eu já pensava, e até mesmo a bananeira espacial, bonita, sábia e amiga me privou de suas considerações acerca do que acontecia no espaço de seu caule e de suas raízes. Pensei, como todo mundo pensa algum dia, em materializar o crime insano de, com um facão na mão, cortar freneticamente a bananeira, vendo suas fibras caírem, retalhadas, sobre o solo lamacento que eu fiz para desenvolver sua vida, mas deixei para lá. O mundo é isso mesmo: um corredor decorado com obras da arte de produzir injustiças...

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Sobre o teorema da corda quebrada.

No meio de tantas reflexões, vejo um cara perdido nas tentativas enfileiradas de montar todas aquelas peças espalhadas pelo chão, e foi montando, montando, que se foi criando sentido, foi se mostrando coerência e ele foi, pouco a pouco, solucionando problemas que emergiam nas faturas vencidas do cartão e no desespero incerto de alternativas mais urgentes. As câmeras na mão tentam registrar o incompreensível no tal teorema da corda quebrada.O lápis se guia no sentido de esclarecer o teorema da corda quebrada. As redes armadas na varanda não suportam o peso por razão da corda quebrada, e o teorema voa como um míssil  israelense na direção do rosto dos estudiosos que não se sustentam sem a corda inteira. Se o peso é grande, a corda quebra e o espírito cai por não suportar além do que ele pode suportar. Essa é a corda quebrada da nossa existência, dos casos ocultos nas linhas de nossos livros que quebram nossos estudos e enfeitiça os curiosos, envenenando o ar com a matemática do absurdo na engenharia perfeita de todos os nossos erros, do holocausto e do napalm a absorver a saúde das crianças e da humanidade em si, na fumaça da fogueira insana a escurecer a vista dos pássaros perdidos nos cabelos mortos das múmias famintas. A corda quebrada quebra nossos elos, sufoca nossas vontades, escraviza os pequenos e prende nossos punhos, já impossíveis de suportar a força e a pressão contra nossa carne. O sangue não corre pois a corda não quebra, e ouço a palavra "quebrada" dentro da minha cabeça, enquanto as tradições beijam o dinheiro daqueles que acenam e dizem "adeus" para o Brasil e toda a sua vergonha caracterizada no seu atraso e no seu amadorismo enquanto projeto de nação. Esse é o teorema da corda quebrada, e nem Arquimedes, nem Descartes, nem os mais expressivos matemáticos árabes ou marcianos saberiam solucionar ele com a mesma irresponsabilidade que eu assumi aqui para solucioná-lo.
Adeus terra das brincadeiras tristes, sempre te odiarei, e se acaso eu voltar, esganarei tua garganta com a ultima trança confeccionada com a insanidade do que sobrou desta bendita corda quebrada.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Chovendo espera.


São estas as minhas esperas: penso que a chuva já deveria chegar para lavar nossa calçada e talvez nos servir de alegria nas nossas brincadeiras sob as bicas d’água da nossa nova rua. Como seria bom molhar o rosto e afastar esse calor insuportável do meio dia, trazendo para a minha carne a sensação gostosa de vida, vendo essa água escorrer pelas minhas mãos, molhando os cachos dos meus cabelos, curtindo os pingos que se formam no espaço desse céu cor de metal que pertence exclusivamente a nós. Penso que a chuva virá na urgência própria dos que espera uma boa noticia, e brincaremos muito, esquecendo o cansaço diário das chatices que invadem nossas cabeças. Assim, por desejar essa vida, esqueceremos nossas responsabilidades de adultos e libertaremos essa infância adormecida por trás de nossa retina, que deseja muito voar sobre a cabeça de nossas preocupações. Aí eu te vejo tão assim, paradinha, quieta no que sente, que eu fico pensando em tudo isso e fico triste porque não dá pra ser da maneira que eu espero. Amanhã eu vestirei a camisa que não preciso, passarei os dedos entre os cabelos, afastando-os dos olhos e sairei de casa, abrindo meu corpo aos perigos da vida, atravessando aquele campinho esturricado pelo sol forte a ponto de me cegar e, como sempre é, vou olhando, desconfiado, para cada lado da rua, vendo as coisas encobertas pelas cascas feias do caos urbano, das feras que povoam esses bairros tristes em suas irregularidades estruturais e em tudo que me desperta desgosto de viver da maneira que não quero. É triste dividir a cadeira do ônibus com pessoas que não conheço, e que talvez nunca mais vou ver. É triste viver fora do lar, fora dos planos adequados para as nossas reais naturezas. Mas também é fantástico encontrar em cada retorno à nossa casa o universo que nós escolhemos para nós. Cada coisa desse espaço é muito parecido com nós mesmos, tudo da maneira que queremos e construímos, tudo muito pertencente a nós, que fazemos tudo isso com muito amor no coração. E era, como ainda é, agradável ver o tempo passar através dos teus olhos: não há dia, não há noite, nem muito menos aquela hora meio claro meio escuro,  o que há no nosso tempo é a eterna alegria das horas dos teus olhos, pois são neles que eu vejo a necessidade de dormir, de acordar, de caminhar na estrela espiritual de tua mão auxiliadora que empunha a flor de nossa jornada, lançando pelas dunas que se formam na concha de minhas mãos o cheiro de planta molhada pela chuva que, de tanto esperarmos, chegou como as vozes dos meninos brincadores dos quintais de nossos projetos e desejos. Da janela surge as galhadas daquela árvore bonita que permanece serena diante da rotina atormentadora de dias, semanas, meses e tempos incorruptíveis pelos vícios do meu relógio desesperado de tanto desejar a hora do retorno à paz, e quando eu finalmente sento e me aquieto, eu vejo os espíritos das horas de sossego que chegam sempre, sem maiores reservas, para falar sobre àquelas coisas que eu não compreendo, mas que gosto de ouvir, porque traz sempre na sonoridade das palavras a mensagem serena de alerta sobre todas as coisas que muitas vezes não nos atentamos. Mas a paz da tua mão rompe todas as barreiras da alegria e do tédio, mexe com o espaço num vendaval de sensações e lança todas as aflições para o alto, fazendo cair sobre o telhado das casas apenas a chuva de todas as nossas esperas.


O Homem.

Por fim o homem, aquele que é base e ponta de todas as dores, que pronuncia o pecado sobre o ombro do amor e que manifesta qualquer maldade nas páginas de suas principais lembranças de menino. Esse é o homem, humano, pai das tormentas e órgão vital da natureza infeccionada. Ele é o homem habitante dessa terra sinistra e caminha de acordo com sua força, sua idade e sua disposição. se for preciso amar, ele ama, se for preciso matar, ele mata, se for preciso fugir, foge e não há outros meios de atingi lo senão pelas suas próprias ambições. Peixe morto pela boca, passarinho preso na arapuca, homem cativo do dinheiro. Homem pai da solidão, é ele, e mais ninguém, o beijo universal e variante de nossos medos.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O Menino.


Na rua da minha casa tem um menino que não cansa de brincar. Todo dia, lá pela hora da Ave Maria, ele vem cansado de jogar bola e me pede um copo d’água. Pergunto a ele o que ele vai ser quando crescer, e ele me diz, sem tirar os olhos do copo, que vai ser um cara legal, que vai estudar muito e vai ser grande, mas não grande no sentido de ser alto, vestir calça comprida e carregar na mão esquerda uma pasta cheia de papéis, mas ele diz, muito cheio de certeza, que vai ser grande nas suas idéias, nas suas vontades e que vai poder fazer tudo que ele gosta de fazer.
Quem sabe se ele está certo sobre tudo isso? Quem dirá a ele que há outros caminhos que ele pode trilhar? Quem pensará nele quando ele ganhar a vida como quem ganha a jóia mais preciosa de nossa fé?
Na simplicidade de sua idade, ele lança sobre meu conhecimento de mundo coisas novas que eu jamais sequer parei para refletir. Era dia de bolo e guaraná para ele e eu pensava saber de tudo que esses dias tinha me ensinado no decorrer do tempo, mas estava errado quando me achei convencido pela sua infância que o sol é invenção grande, das que se inventa na escola.

Eu tinha duas pedras
Uma azul, outra amarela
Com a azul, eu fiz uma pérola
Com a amarela quebrei tua janela
Das pedras que eu tinha
Só as cores ficou
Do azul eu joguei para o céu
Da amarela pintei o sol
Das cores que eu tinha
Eu usei como bem quis
Fiz sol, também fiz céu
E no tédio disso tudo, fui dormir

O danado me entregou o copo, agradeceu e seguiu rua abaixo – ouviu a mãe chamar na esquina – e no portão da minha casa fiquei, fiquei tanto tempo que amanheceu e, ainda de copo e garrafa na mão, fiquei ali por muito tempo, até a hora que ele voltaria do campinho, com a bola na mão e a amizade no coração, para beber água novamente...

A Mulher.

O sal azedo da lágrima cor de sangue pinta nossa visão de terror e tristeza. O sal forra o chão dessa estrada sem fim, sem caminho, sem uma onda de sorriso ausente nas tardes de pavor e desassossego. O sal, salgado, cor de ódio, fere os olhos chorosos das crianças mortas, de rosto inerte e agredido na sua espiritualidade interrompida. Não há gosto nesse sal para se saborear, não há vontade de ter gosto nessa fome de paz, não há paz nessa eterna necessidade de provar, com o apetite próprio dos perversos, o mal gosto de desespero na lágrima do submetido.
A mulher percorre os objetos desse mundo estranho, configurado na solidão dos que gostam do bem, dos que amam por amar, a mulher sofre a ausência do filho, roubado no dia das dores do oriente absorvido na areia regada pelas chuvas de bombas e fogo bandido, a mulher percorre o mundo, enquanto a lágrima perdida, desorientada na eterna fuga do incompreensível, percorre seu rosto por todas as direções do perigo, de um céu duvidoso nos dias de hoje. A mulher é o retrato da tristeza na sua viagem pelas terras secas de nossos olhos televisivos, que olham como quem vê algo não real, que não faz sentido e que não nos desperta o perigo da mensagem real do coração sombrio daqueles que, de armas em punho, mirada contra o rosto da via láctea, faz brotar na carne dos olhos escuros o mel da tristeza.
As manhãs surgem no espelho quebrado da vaidade humana, essa vaidade que fere os sonhos tristes, já desanimados, de ver nas vias dos longos quintais o nascer dos alimentos, dessas frutas capazes de confortar e matar a fome chorosa dos que sofrem. A mulher leva nas mãos um cacho de frutas e sobre a cabeça vai a estrela da seara universal de incontáveis pedidos de amor vigiado no conforto das pequenas casas, moradia da paz e espaço de preciosa liberdade.
Os astros circulam pelos cantos das casas, pelas ruas povoadas de gente morta, pelas luzes ausentes nesse buraco onde estamos, e nos dizem o grande aviso evidente, que estamos no mal caminho da evolução humana, que jamais encontraremos Deus no meio de tantas explosões bélicas desses gritos de ira, esse grito que mata as plantas, as pessoas, os pobres cachorrinhos e o mundo na sua simples composição. Jamais seremos felizes enquanto não houver alegria para a Palestina, jamais seremos felizes enquanto a mulher chorar essa lágrima azeda de sal.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Foda-se, Geraldo Vandré.


Diga o que quiser
Pense o que pensar
Não me interessa o que você possa vir dizer
Não pense que me preocupo com sua opinião
O mundo é muito mais do que o que você vê
E se passa na sua mente
Que eu vou me abalar
Com o que você acha ou deixa de achar
Saiba, pra seu governo
Que eu estou muito tranqüilo
Em relação a tudo o que você vê de ruim
Estou muito convencido
Que eu faço o que quiser
E não vai ser ninguém que vai me controlar
Portanto, poupe seus esforços
E guarde sua opinião
Não sou eu que vou perder a cabeça
Sofrendo com sua reprovação
Então sinta-se à vontade
Você pode seguir em frente
Espalhando todo o ódio que você tem de mim
Agora ouça este conselho
Pra você não se ferrar
Saiba medir com responsabilidade
O que você vai falar
Você pode até gritar
Xingar, esculhambar, reprovar
E até me ameaçar
Você pode dizer o que quiser
Porque não vai me abalar
Agora tenha cuidado
Com quem você vai mexer
Porque se mexer com um amigo meu
É o mesmo que pisar no meu pé
Portanto
Respeite pelo menos Gal

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Carne.


Carne.

Matéria prima do êxtase, ação, suor, vida, sonho. Produto e produtora de si. Forte como uma rocha, sensível como uma flor, difícil de entender, rica, complexa, ao mesmo tempo bela, simples, suave, delicada. Enrijece, enruga, apodrece, inflama, congela, muda. Bruta, crua, como ferro, engrenagem, tijolo, peça de um quebra-cabeça vivo intenso, profundo e em constante processo de transformação. Cimento do homem, logo, é divina, cinza, vermelha, abastecida pelo sangue que hidrata sua existência rústica. Verdadeira essência humana, material, concreta.

O homem é a carne.

Para além do olho, existe o olhar
Para além do cérebro, existe o pensar
Para além do coração, existe o amar
Para além da carne, existe o viver.

A alma é um verbo.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O Urso da Mendiga.


A broa rançosa de praça
Desfaz a fome da tarde
E sob o sol do meio dia
Fede o bicho morto sem cova
Podre
Sem morada
O céu, que abre as desgraças
Desqualifica o oficio
De defesa da pátria
Dos pais arrependidos
Da porra desperdiçada
Do carrinho necessário
Para viver uma pobre jornada
De bicho morto
Coração morto
Ave morta
E visto da sombra da árvore
A mendiga conduz seu urso sujo
Pelo caminho do afeto ilusório
Para esquecer que há
Muito além dali
Tudo aquilo que queríamos não ver
E vemos.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A bostinha da amizade.


A estrada estrelar surpreendeu todos os automóveis ferozes que fugiam pela fresta da porta escura aberta para as noites infindáveis com cheiro de peixe e gosto de terra. Na noite escura de vento ardido e sons duvidosos havia, nas direções do progresso da cidade, um cachorro vadio que lambia suas próprias bicheiras, como se fosse desesperador viver um minuto sem praticar uma ação suicida nas praças dos enclausurados. E lá, muito além da luz avermelhada da lua estranha que não temos tanta certeza se vimos, eu vi um homem, mas ele não era como esses homens comuns, pobres e mortos que a gente sempre vê por aí, ele era - e eu sei que era mesmo - um homem que era um santo e que tinha sobre a carne do seu coração a enorme vila habitada pelas almas livres e alimentadas pelos brilhos da vontade satisfeita no simples querer e, como quem quer mesmo, dizia para si mesmo, convicto e espirituoso: eu quero!
Eram já altas horas quando seu corpo se abriu para o espaço, quando seus olhos sinistros de louco moleque maligno gritou um riso engraçado que dizia muito mais do que um forte golpe conta o rosto frio dos cristãos envenenados de ódio e modernidade, desse juízo eletrônico bestial do sangue doente dos bichos vencidos pelo baygon assassino da nossa era selvagem.
O som que zunia no meu pé d'ouvido era um vento forte que trazia na minha cara o bafo de Fortaleza, e isso não comprometia a alegria de ver voar no céu os anjos vadios ziguezagueando embriagado por essa noite preciosa - o corpo aberto! - e vi muito além das ondas revoltas daquilo que entendi como ordem universal uma estrela pousar por trás da jangada, era algo estranho e maligno na sua fisionomia inaceitável de nossos pais, há tempos vencidos pelo próprio tempo na sua ação transformadora e desordenadora das leis vagas dos dias seguidos. O homem, que era um santo, que era um anjo, e era, também, um bicho que me encarava por trás daquela escuridão sinistra, mas contagiada de humor e patifaria dos que debocham do comum, fazia daquilo tudo uma cena trágica de novela que rasgava os olhos dos brasileiros no horário nobre, mas era só eu ali, e não a família brasileira, era somente eu, sem os que mereciam ver tudo aquilo com significações diferentes, vendo o que devia ser visto por todos, vendo a estrela que deveria pousar, leve como uma fada encantada, na ponta do nariz dos nossos inimigos, era preciso jogar aquela estrela excêntrica sobre a casa de nossos professores e espalhar sua luz nas ruas de toda essa gente estúpida que tanto vemos, numa tentativa de fazer tudo ficar melhor e transformar o incomum em comum.
Os homens olham para o asfalto negro em busca de estrelas, as ruas se destroem em peso e violência dos loucos responsáveis, dos loucos atarefados, atrasados, encarregados e blábláblá desse cotidiano industrial. Fortaleza morre, os homens adoecem, os rios apodrecem e tudo isso é encarado como algo natural, enquanto a estrela cadente que viaja por universos de nossas mentes e pousa secretamente por trás da jangada noturna de nosso oceano imaginário, navegado pelo toque de nosso raciocínio voraz a atingir a velocidade da luz é tido como o que há de mais odioso no mundo.
O mundo é estranho, e a ordem está na perspectiva do reflexo oposto do espelho.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Os uivos de cada geração (para meu irmão).



"Eu vi as melhores mentes da minha geração destruídas pela loucura", diz o poeta. Na minha época isso se deu não pela loucura da fuga da realidade, da busca por prazeres fugazes ou da beleza que vem da vida nas ruas. Muito pelo contrário, era essa loucura que sustentava essa geração. Eram as idéias, as músicas, as experiências de verdadeiros vagabundos iluminados que riam dos hipócritas nas suas salas de aulas, nas suas casas, nos seus bairros, no seu país, e que levavam a crítica como elemento fundamental, que os moviam. A loucura que destruiu suas mentes foi a da própria realidade, do dia-a-dia, da correria, do mata ou morre. A loucura do trabalho, das relações duras com a família, das fofocas dos vizinhos, dos estudos, da busca incessante pela concretização de projetos de vida que não foram feitos por você, e sim para você. Levavam uma vida obscena para muitos, mas que, para mim, foi ao mesmo tempo poética, doente, livre, destrutiva e exemplar. 

Não eram suas vidas obscenas só porque não ligavam para os clichês da vida de concursados, funcionários públicos, profissionais liberais e afins, eram vidas experimentadas no calor das ruas e do som. Porém, o turbilhão concreto do mundo real os alcançou no olimpo que eles vivenciavam, sustentado pelo espírito das calçadas, das ondas da praia, das rodas nos shows de rock e na consciência inconsciente do mundo pútrido em que viviam e que os dividiu, e os forçou a se tornarem pessoas que respondem à patrões, que buscam avançar nas suas carreiras, que perseguem diplomas, cargos de engrenagem na máquina social caótica, burguesa, insensível e feia. Não sei se fizeram isso por opção, mas sei que as circunstâncias da vida lançaram um conjunto de cartas para cada um deles e cada um fez a sua jogada como pôde. Alguns receberam uma ótima mão e fizeram péssimas escolhas, jogadas imbecis com intenção de tentar permanecer dentro de um jogo sem saber que ele já tinha acabado. Outros receberam cartas que não lhes davam a menor perspectiva de um bom resultado, mas, contando com certa habilidade e sorte conseguiram se sair bem. E um deles recebeu cartas completamente inesperadas, mas que estavam no baralho da vida que todos levavam. Cartas que, para muitos, poderiam ser as piores possíveis, que acabariam com qualquer jogo, mas, esse único teve a capacidade de tornar aquilo uma vitória inconteste. Calou a boca de muitos que não acreditavam na sua vitória (e muitos que desejavam o seu fracasso), conseguindo um prêmio diferente de tudo que eu já pude conhecer. O maior prêmio da vida de um homem, e todos que estiveram na mesa de jogo com ele reconheceram isso. Mesmo após isso tudo, a vida lhe continuou dando cartas difíceis mas ele sempre teve coragem de fazer seu jogo dar certo. Mesmo cambaleante, arriscou jogadas inimagináveis para mentes mais fracas (como a minha) e conseguiu se sair por cima. 

Acredito que ele e muitos dos que fizeram parte de sua geração são pessoas diferentes, por conta de tudo que eu pude ver. As forças que nos puxam para determinados rumos da vida fez com que eles se separassem, então, logo acabaram-se as bandas, as saídas, as brigas, as casas de praia, as festas, as calçadas, e, ao mesmo tempo, terminaram as discussões familiares, os problemas escolares/acadêmicos, as fofocas dos vizinhos criativos e os conflitos internos que eu sei que cada um teve nesse período. Mas de uma coisa tenho certeza, eles nunca perderam a fagulha da insanidade que os levou pelos caminhos que seguiram na juventude. Esta foi uma geração que uivou muito alto em meus ouvidos e que eu não tive como não ouvir. Agora, esse uivo ecoa em minha alma e eu tento aquietá-lo no meu viver. É um uivo que refletiu na minha geração, nos meus pares, e fez com que nós teimássemos vivenciar coisas incríveis, só de birra com o passado. Cada um de nós tentou viver à altura desses que vieram antes, contamos as suas histórias num misto de admiração e desprezo e sonhamos em ter na nossa vida experiências tão intensas quanto eles. Pensávamos se um dia a geração seguinte contaria histórias sobre nós, ou se passaríamos em branco. Até hoje pensamos isso. Eles foram verdadeiros pinos quadrados que acabaram tendo que forçar encaixe nos buracos redondos da vida, como todos nós eventualmente teremos que fazer antes da morte, mas, tenho a certeza de que esse encaixe não mudou plenamente as suas formas. Ainda há loucura neles, assim como sempre haverão os uivos das próximas gerações.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Meu Pai

Meu pai me liga às 13:50 de uma quinta-feira que até então parecia vazia como qualquer outra, eu atendo e logo de cara me dou conta que ele tá bêbado pra caralho, eu achava que ia ser só mais uma ligação dessas que ele faz a cada 3 meses, só pra perguntar como eu tô, sem na verdade tá interessado em saber como que eu tô de verdade, mas não, ele tava muito bêbado, eu nem consegui entender o que ele tava falando direito, ligou pra falar de uma grana que eu tinha pedido pra ele quando tava em São Paulo, sem um puto no bolso e com um frio filha da puta, já que tava fazendo 4º graus e eu não tinha agasalho suficiente, bem, o fato é que ele não mandou grana porra nenhuma, mas eu consegui me virar, voltar pra Fortaleza bem, e na verdade com mais grana no bolso do que eu tinha ido, mas isso não é importante agora, eu perguntei como ele tava e ele me respondeu: “tô péssimo”, ele nunca tinha me dito isso, ele sempre fingia muito bem, como a maioria das pessoas, e falava que tava bem, falou que tava péssimo mas não queria dividir nada disso comigo, e aí ele começou a chorar, o que me chocou, já que eu nunca vi o meu pai chorar durante o tempo que vivi com ele, “eu sei que eu sou um péssimo pai, a porra de um pai ausente, me desculpa”, me prometeu grana, mas foda-se a grana, não é isso que é importante, eu fico pensando que eu vou ver o meu pai morrer e não vou ter a oportunidade de dizer pra ele que amo ele pra cacete, gosto do velho, se eu sou como sou hoje eu devo a ele, sim, a grande maioria dos defeitos, a depressão, um pouco da arrogância e da falta de carinho pela maioria das pessoas, a aparente boçalidade, o gosto meio que exagerado por uma dose de qualquer coisa, herdei esses defeitos dele sim, mas herdei também tanta coisa boa, o amor pela música, dos dias que ficava ouvindo Ednardo no colo dele, lá na nossa casa no Conjunto Ceará, o amor intenso que nutro por aqueles que amo, ter a coragem de abrir a boca e falar pra quem quiser ouvir quando eu tô insatisfeita, a rebeldia que herdei dele, dos tempos que ele andava de cabelão quando isso era mal visto por todos os vizinhos da vovó. É triste ver meu velho assim, desfalecendo, vendo que ele deixou o mundo ganhar, que ele deixou o mundo fazer com que ele sucumbisse, não tô falando que ele devia tá rico e com carro na garagem, mas ele virou essa coisa que só respira dia após dia esperando a hora de morrer em cada gole de cachaça que ele toma, e eu me pergunto se também não vou herdar esse fim dele. Duas filhas que ele não vê há quase uma ano, morando numa casa cedida pela mãe e tendo como companhia uma mulher com problemas psicológicos e um cachorro de rua, sem ninguém ligar muito pra ele, por que é todo mundo raso de dá nojo e enxerga ele como só mais um bêbado que não vai fazer falta nenhuma no mundo. É uma vida fudida e nem todo mundo sai ileso dela.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Conversa de Boi Voando.

Voa no céu
Dois bois mágicos
Sobre o telhado
De nossa morada.

Esse é o nosso papo
A nossa viagem
O assunto do dia
O sono ausente
O sexo dos anjos
O dia perene.

Não sei
Talvez
É.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O nosso exorcismo (Para o Bruno)


Estão nos exorcizando! É triste fazer o que não se quer, porque, olha, entenda, eu estou aqui, agora, no trabalho, vendo o tempo passar sem fazer porra nenhuma, sendo que, agora, eu queria era estar no espetinho com a galera (em plena manhã de sexta feira!). É osso essa bosta toda que é o trabalho e a chatice de estar vulnerável às vontades alheias porque eu queria mesmo, pela minha vontade, era estar no espetinho, e queria que todo mundo estivesse lá, queria coragem pra sair daqui e queria que essa coragem atingisse meus amigos para que eles saíssem também do trabalho e tomassem o rumo do espetinho. E lá não ia ter a vigia malvada de nossos chefes, nem teria tristezas, pois o assunto da mesa seria a patifaria generalizada. Enfim, é uma pena a maneira que nos fazem perder uma manhã de sexta feira tão bonita como essa, nos obrigando a fazer nada. Eu preferia mil vezes estar agora no espetinho...

Vejo no céu a estrela clara da minha noite, que perfura o horizonte na denúncia dos perdidos, pois tão ignorados são os vestígios da festa que venho, e hoje sou peça fria que compõe a face da rua, inundada com o leite aflito das tristes mães de maio, cansadas de procurar corações sob o asfalto da nossa cidade, pois para além de todos os lares estão os gritos dos indivíduos. Entre eles, ouço José, amparado pelo amor de Deus, vejo fartura e vejo fome, e muitos sonhos capazes de revelar nosso caminho torto pelo deserto extenso que combinamos chamar de América. E assim aprendemos a amar nossos pais, Cortez, Pizarro, e todos os bandeirantes que estupraram São Paulo, embelezando nosso jardim com os olhos gordos da Europa. E eu, da minha janela, vejo a beleza sinistra de nossas doenças, configuradas no poder ignorado pelos ignorantes indiferentes que ambicionam nutrir a carne, amofinando o espírito, lançando flautas contra as paredes e lavando com cachaça todas as pressões que sofrem, pelo triste destino, todos aqueles que são abandonados sob as asas do medo. E surgem, feito espíritos endividados, nas fotografias que simulam alegrias, olhando, como quem pede algo, para a face de Nossa Senhora da Conceição, mas ela, muitos esquecem, é tão mãe como todas as Nossas Senhoras, e todas as mães de maio, e todas as mães de Portugal, do Vietnã, da Síria, de Cuba e do céu, pois até a mãe aflita soube dissipar o ódio do coração de seu filho e conduzi-lo ao amor, plantando em seu coração a voz da vida, que é a voz que ecoa em nossas cabeças, e pode ser ouvida desde minha varanda até qualquer lugar que haja um homem capaz de promover a alegria de um irmão. Mas quando amanhece e minha estrela clara da noite some, eu me mantenho convicto de todas as reflexões que a luz estrelar me induz e me estimula a ter, e antes que eu ponha os pés fora da cama, eu penso nas dores do mundo e responsabilizo a todos nós pelo amor que nós possuímos e muitas vezes não somos capazes de oferecer.

La flor más hermosa de Chile.


Doce melodia sensível de tua jornada
Que marca nossos olhos com a beleza de tuas mãos
Como se fosse para sempre criar universos para embelezar
O conforto feliz de nossos pequenos desejos

Violeta, la flor más hermosa de Chile!

São tuas lágrimas a água que mata nossa sede
E é a tua voz capaz de nos amansar
São tuas as cores que colorem nossos rostos
E é nossa a intenção de amar sem restrição

Violeta, la flor más hermosa de Chile!

Busca na tua alma o talento de transformar
E ensina aos nossos filhos a razão da natureza
Que pertence o nosso mundo em infinita engenharia
Que compõe os nossos povos e todas as suas expressões

Violeta, la flor más hermosa de Chile!

Envolva os nossos corações com toda a sua ternura
E maltrata a nossa carne com toda a sua aspereza
Alegra nossos dias com o som de tua poesia
E ilumina nossa estrada com as palavras de tua boca

Violeta, la flor más hermosa de Chile!

E se acaso, mi flor hermosa, você for embora
Por favor, se despeça de mim
E se acaso, mi flor violeta, tua jornada for longa
Por favor, não se esqueça de mim

Violeta, la flor más hermosa de américa!

O Cajú


Caindo, cai, florzinha do caju
Se suja o quintal
Eu vejo lá
Bela menina na beira do rio
Se a água cai
Se a água desce correndo para o mar
Eu vou pescar
Eu vou comer do peixe que eu pegar
Meu Deus do céu
Se não chover
Eu juro, vou chorar
Eu vou plantar
Eu vou comer
Do milho que nascer

Caindo, cai, folhinha do caju
Se o fogo queima forte
Vou apagar
Essa paixão que queima o meu peito
Eu vou deixar
A minha casa pra viver com você
E se pingar
Na minha língua o suco do caju
Eu vou soltar
Da minha gaiola essa sabiá
E vou voar
Sobre a mangueira só pra te olhar
Enquanto cantas
Essa alegria gostosa de sonhar

Caindo, cai, bagaço do caju
Se o suco cai da boca
Eu vou te ver
Te procurar no meio dessa gente
Se eu te perder
Eu vou morrer longe desse lugar
Se o caso for
Vou me afogar num tanque de cará
Não quero não
Esse queimar de mijo de potó
Se o sol se for
Tu não precisas vir me procurar
Não se aparreire
Você já sabe que eu vivo pra sonhar

Santíssimo Sangue.

Da saudade que eu sinto cai uma gota d’água que refresca minha angústia, desenhada nas costas de minha vida, e da minha janela violenta eu vejo o retrato do escândalo criminal, onde me lanço nesse engenhoso túnel que me consome numa tristeza quieta, e penso, como se eu não pudesse mais ser o rosto sereno de meus pecados, para além da vontade que sinto de possuir nas mão o Sagrado Coração de Jesus e o santíssimo sangue de tuas lágrimas que cai, como água salgada, no meu coração, já não tão sereno de ver a pedra silenciosa da minha solidão, forçada pela telha partida com o peso do ladrão que arma a ação enganadora do demônio contra minha felicidade, que sempre me foge no período de ausência do grande amor que tenho, lindo forte e misterioso, para além da tua ausência, pois essa é a ação da saudade

domingo, 19 de agosto de 2012

Oxe...sei lá, por mim pode ser...

Chorem meus amigos, chorem, pois só chorando vocês vão se livrar dessa miséria de sentimentalismo, só chorando vocês vão aderir a racionalidade, pois o choro põe pra fora o amor, como se ele fosse uma infecção que precisa ser despejado pra fora. O racionalismo objetivista é proveniente do subjetivismo extremo, ou seja, quando não aguentamos a carga de sofrimento, procuramos bases sólidas! E é por isso que eu digo sem citar nomes aos meus amigos que estão sofrendo: sofram, queimam no fogo da vida, pois o racional é frio, é mecânico, é robotizado, e mais vale um amor queimando em miséria que um frio sentimento de adeus! Vivam o mais intenso orgasmo, da mais expressão libertina de um corpo nu! Mais uma vez, eu digo: deixe a vida aprontar com vocês todas as peças, deixe a vida te estuprar, deixe ela te encher de alegrias e de cio deixe ela te deixar viver...

Por Nadson Sérvolo e Amanda Breckenfeld.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A nova colônia da alegria.


Bananeira verde-palma espacial, seremos a herança de nosso tempo ferido, de um povo vencido e superado pela violência. Somos um pequeno núcleo atômico de paz no universo, e agora, pela responsabilidade que temos com o amor, vamos criar um novo mundo, tão bonito quanto as nossas intenções e tão forte quanto os olhos dessa juventude jardineira que constrói a beleza de nossa face pela vontade do bem. E somos nós, bananeira, a esperança de todas essas estrelas, iluminadas pelo espelho refletor das esquinas de nossas almas vitaminadas e iodadas pelas tuas composições de riqueza. Somos os filhos que abandonarão o planeta Terra assim como, há tempos atrás, abandonamos nossas casas e nossas terras, nossa história e nossos hábitos de caminhar pelo quintal às sete da manhã, deixando entrar nos olhos a luz do sol, deixando essa luz aquecer nossa pele de oito anos, dez anos, milênios habitando esse mundo pequeno que, entre dia e noite, aflorava nos nossos corações a tristeza dos noticiários da televisão, a realidade dos que não jantam, nem dormem, nem rezam e nem amam. E hoje, longe do nosso berço, iniciaremos nossa vida de criança no lugar que escolhemos para nós, onde poderemos brincar nos vastos campos das terras de Marte, pois será lá, muito além do escuro breu espacial da via láctea, que seremos felizes, no pequeno sítio que pela minha promessa eu irei erguer, pois eu estou cansado, e você já sabe, desse oxigênio venenoso terrestre, dessa água amarga de nossos rios poluídos e dessas pessoas perigosas que todo dia tomamos conhecimento de sua existência. Por isso, será em Marte que alcançaremos a redenção de nossas vidas, será nesse sítio que estaremos aconchegados pela paz e lá não haverá limite para as nossas vontades, pois nossas vidas fluirão pelo espaço marciano e não nos faltará gelo seco e pão rochoso em nossa mesa – além de banana, é claro – e isso será a recompensa para nós, que somos a marca sinistra do processo civilizacional terrestre, pois fomos as maiores vítimas das armas egoístas dos grandes homens que ambicionaram terras, céus, mares, tesouros brilhantes e almas fragilizadas pelo duro porrete da vaidade alheia. E aqui, tenho certeza, tudo será diferente, pois nós, em nosso sítio, poderemos ser tudo o que não conseguimos ser no Brasil – o país do fracasso – porque aqui nós teremos os nosso pés para nos sustentar, as mãos amigas para nos acariciar e todos os amigos do mundo para viajar em nossos corações. Tudo isso em Marte. E no fim do dia poderemos sentar na porta de nossa casa e ver lá além da cordilheira alaranjada o pôr do sol mais lindo do universo, e nosso rosto será iluminado pela luz desse céu rosa-avermelhado e nada mais nos incomodará, nem as tempestades de poeira desse novo planeta, nem a força desse hidróxido de carbono a preencher os espaços do nosso pulmão, pois aqui seremos criaturas novas e não sofreremos mais com as limitações biológicas, tão comum na nossa infância. E assim nossa palavra será sagrada e veremos um novo mundo surgir através de nossas mãos trabalhadeiras, movidas pela ação da vontade em construir a felicidade, esse é o destino de nossa raça e de nossa capacidade de ser bom. Por isso que faremos de Marte a nova Canaã espacial, e não haverá mais terceiro mundo, nem século XXI, nem divisões étnicas, nem guerras, nem dinheiro, nem hierarquia, nem o veneno da política e das tradições impossíveis de suportar. O céu é vermelho, a terra é vaga, o sol é o mesmo sol que nasce em Medelín, e o homem será nós, eu, meus amigos e você, bananeira, que será tão homem quanto eu, tão criatura quanto eu, e verei no teu coração roxo a bater na ponta do cacho de bananas a satisfação de viver uma nova oportunidade de vida. Essa será a nossa primavera marciana, o segredo de nossas intenções em pensar na criação de um homem diferente, que renasce sob o fogo do sol e sob a luz dos cometas vadios, tão vadios quanto nós que, por onde passamos, deixamos um rastro de lágrima e nódoa a sujar o chão imundo dos desertos citadinos terrestres por onde passamos e fomos vitimas de guerras perversas entre anjos e demônios. Para esquecer essa imagem projetada em nossas retinas, achamos como solução o desejo de sermos matéria-prima para fazer surgir a paz no céu deste novo planeta, tão solitário e ansioso pela nossa chegada. Nós, que somos o grande amor do sistema solar, dessa galáxia inocente de nossos crimes e que manifesta a velha ferida de abrigar na Terra o maior atraso já visto desde a grande explosão cósmica, esqueceremos por vontade a curta aventura humana e nos preocuparemos apenas com a vida boa que teremos em nosso sítio. Teremos uma casa emendada a um jardim, um campo para cultivar flores alienígenas e teremos uma cozinha de onde sairá as maiores delicias que nossas línguas já tocaram, teremos uma despensa farta onde estocaremos os melhores queijos de Vênus e uma sala onde, volta e meia, receberemos visitas ilustres (o novo auêi de Saturno, a encantada princesa lunar, o espírito da primeira vida universal...), e teremos um viveiro de proporções galácticas onde criaremos graúnas, sabiás, saadjiáhs, pinjious, maranhuaras e tantos outros passarinhos de tantas outras localidades galácticas. A vida será boa,  não faltará nada e não haverá nada que nos afaste da alegria, pois seremos nós que conduziremos nossa vida no sentido da alegria, seremos nós que mandaremos nos nossos passos e seremos nós os inteiros responsáveis pela definição clara de nossos caminhos, e isso é bom, porque a vida em Marte, além de ser uma boa chance de recomeçar tudo, será um tapa na cara dos terráqueos otários que duvidam da vida no além-Terra.

O exorcismo do rapaz feliz.


Ele era feliz porque vivia
Mas ninguém compreendia
Quais eram suas razões.
Os motivos da alegria
Desse rapaz que sorria
Eram simples, não exigiam explicações.
A vida acontecia e ele não só existia,
Enquanto uns passavam pelos dias
Ele vivia as noites e as manhãs como canções.
As pessoas que o viam
E que não o conheciam
Criavam a cada dia novas especulações
De que o rapaz vivia em um mundo de fantasias
E de que ele mesmo sofria de alucinações,
Pois como poderia alguém que, como eles, vivia
Nessa realidade tão fria
Ter tão belas emoções?

O rapaz feliz, então, teve de ser aprisionado,
Ser benzido e medicado
Para seu malogro acabar.
Mas era muito mais complicado,
Pois a felicidade já havia enraizado
E ele não pretendia e nem poderia mudar.
Então o que foi combinado,
Para o rapaz ser libertado,
Sua alma eles deveriam arrancar.
Através de um processo mecanizado,
O rapaz foi exorcizado
E seu sorriso já não estava mais lá.
Os outros sentiram-se aliviados,
O rapaz já estava curado,
E não poderia mais alguém infectar.
Ele agora é sisudo e calado,
Só um corpo desalmado
A vagar, vagar e vagar...

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

É necessário ir para precisar voltar.


É necessário ir para precisar voltar, e, como se tivesse ido, pensei ter visto todos esses rostos que, firmados na alegria, trabalhavam a festa como se fosse uma extensão necessária para passar o bem adiante, para pensar a alegria na força firme da atmosfera criada pelos gênios pensantes que povoam nossas fossas, verdadeiros lixeiros tampados que volta e meia nos permitem ver a lua no solo de nossas preocupações. E sob a sombra das bananeiras de nossas casas que nem sequer são nossas ainda, vemos todas as idéias de nossos povos fluírem dentro de nosso aquário-nação configurado em cada palavra lançada no ar respirável de nossos pobres irmãos que projetam pequenos desejos materializados em ações louváveis de grandiosas ambições.
Ultimamente andei pensando sobre o tempo, o tempo que nós perdemos tentando concretizar coisas que nós nem ao menos sentimos vontade de fazer e isso corresponde ao trabalho, relações familiares, tudo que tem a ver com a vida que levamos, mas que na verdade, ninguém tem muita vontade de levar. Hoje eu encontrei com meus amigos pra falar sobre a vida e a infelicidade que isso, tudo isso, tem me trazido, eu chorava em casa quando o Ronald falou comigo, a impossibilidade, as amarras que a vida lhe impõe, tudo isso me dói de um jeito que eu nem consigo expressar de uma forma inteligível, é como se você tivesse muito à dizer vivendo em um mundo de surdos, e é mais ou menos isso que o movimento auei me parece, um bando de malucos de cabeleira solta que falam aos quatro ventos uma língua de surdos num mundo de tecnicistas intelectualizados em um mundo onde tudo que pode ser provado é apenas o que pode ser ouvido. Eu não sei bem o que eu quero da minha vida, mas ultimamente não envolve departamentos estatais, ou empregos promissores, envolve amor acima de tudo, amor, entre aqueles que se olham nos olhos e se sentem como irmãos, num movimento que transcende a consangüinidade, aquilo que se escolhe pra ser, porque o amor vai além do que se impõe, amor é aquilo que se escolhe, e é assim que eu quero estar.
Ah vida boa! Ah vida boa! Daqui a dois dias começa a merda. Mas foda-se, foda-se, foda-se e foda-se. O aueísmo morreu antes de começar. Essa merda nunca deu certo e nunca dará. A grande verdade é que é putaria o dia inteiro, o Ceará e o Rio de Janeiro. Tomei muita cerveja com meus amigos em São Paulo e discordo com o grão-mestre auei, para mim São Paulo não subtrai a minha felicidade. E decidi, não vou ser mais chato e vou deixar de ser otário.
Meu pau no teu cu!
Meu pau no teu cu!
Meu pau no teu cu!
Todo vício e doença padece diante da idéia. A de que é preciso contemplar o céu e as estrelas. É preciso iluminar-se pela luz da lua. Contemplar as estrelas na sua beleza e simplicidade, pois cada uma delas carrega luz infinita e compartilha o universo com seus pares, sem roubar o brilho, sem sentir inveja e sem ofuscar a lua. É preciso contemplar o céu e aprender com ele. Olhar o céu e ser visto por ele e ser preenchido pela sua grandiosidade. Essa é a idéia que vive e faz viver. Vivam o céu e as estrelas. Brilhem na luz das suas idéias. Vivam!

(Produção coletiva de Ronald, Kelvia, Luã, Magão e Bruno).