segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A bostinha da amizade.


A estrada estrelar surpreendeu todos os automóveis ferozes que fugiam pela fresta da porta escura aberta para as noites infindáveis com cheiro de peixe e gosto de terra. Na noite escura de vento ardido e sons duvidosos havia, nas direções do progresso da cidade, um cachorro vadio que lambia suas próprias bicheiras, como se fosse desesperador viver um minuto sem praticar uma ação suicida nas praças dos enclausurados. E lá, muito além da luz avermelhada da lua estranha que não temos tanta certeza se vimos, eu vi um homem, mas ele não era como esses homens comuns, pobres e mortos que a gente sempre vê por aí, ele era - e eu sei que era mesmo - um homem que era um santo e que tinha sobre a carne do seu coração a enorme vila habitada pelas almas livres e alimentadas pelos brilhos da vontade satisfeita no simples querer e, como quem quer mesmo, dizia para si mesmo, convicto e espirituoso: eu quero!
Eram já altas horas quando seu corpo se abriu para o espaço, quando seus olhos sinistros de louco moleque maligno gritou um riso engraçado que dizia muito mais do que um forte golpe conta o rosto frio dos cristãos envenenados de ódio e modernidade, desse juízo eletrônico bestial do sangue doente dos bichos vencidos pelo baygon assassino da nossa era selvagem.
O som que zunia no meu pé d'ouvido era um vento forte que trazia na minha cara o bafo de Fortaleza, e isso não comprometia a alegria de ver voar no céu os anjos vadios ziguezagueando embriagado por essa noite preciosa - o corpo aberto! - e vi muito além das ondas revoltas daquilo que entendi como ordem universal uma estrela pousar por trás da jangada, era algo estranho e maligno na sua fisionomia inaceitável de nossos pais, há tempos vencidos pelo próprio tempo na sua ação transformadora e desordenadora das leis vagas dos dias seguidos. O homem, que era um santo, que era um anjo, e era, também, um bicho que me encarava por trás daquela escuridão sinistra, mas contagiada de humor e patifaria dos que debocham do comum, fazia daquilo tudo uma cena trágica de novela que rasgava os olhos dos brasileiros no horário nobre, mas era só eu ali, e não a família brasileira, era somente eu, sem os que mereciam ver tudo aquilo com significações diferentes, vendo o que devia ser visto por todos, vendo a estrela que deveria pousar, leve como uma fada encantada, na ponta do nariz dos nossos inimigos, era preciso jogar aquela estrela excêntrica sobre a casa de nossos professores e espalhar sua luz nas ruas de toda essa gente estúpida que tanto vemos, numa tentativa de fazer tudo ficar melhor e transformar o incomum em comum.
Os homens olham para o asfalto negro em busca de estrelas, as ruas se destroem em peso e violência dos loucos responsáveis, dos loucos atarefados, atrasados, encarregados e blábláblá desse cotidiano industrial. Fortaleza morre, os homens adoecem, os rios apodrecem e tudo isso é encarado como algo natural, enquanto a estrela cadente que viaja por universos de nossas mentes e pousa secretamente por trás da jangada noturna de nosso oceano imaginário, navegado pelo toque de nosso raciocínio voraz a atingir a velocidade da luz é tido como o que há de mais odioso no mundo.
O mundo é estranho, e a ordem está na perspectiva do reflexo oposto do espelho.

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