A estrada estrelar surpreendeu todos os automóveis
ferozes que fugiam pela fresta da porta escura aberta para as noites
infindáveis com cheiro de peixe e gosto de terra. Na noite escura de vento
ardido e sons duvidosos havia, nas direções do progresso da cidade, um cachorro
vadio que lambia suas próprias bicheiras, como se fosse desesperador viver um
minuto sem praticar uma ação suicida nas praças dos enclausurados. E lá, muito
além da luz avermelhada da lua estranha que não temos tanta certeza se vimos, eu
vi um homem, mas ele não era como esses homens comuns, pobres e mortos que a
gente sempre vê por aí, ele era - e eu sei que era mesmo - um homem que era um
santo e que tinha sobre a carne do seu coração a enorme vila habitada pelas
almas livres e alimentadas pelos brilhos da vontade satisfeita no simples
querer e, como quem quer mesmo, dizia para si mesmo, convicto e espirituoso: eu
quero!
Eram já altas horas quando seu corpo se abriu para o
espaço, quando seus olhos sinistros de louco moleque maligno gritou um riso
engraçado que dizia muito mais do que um forte golpe conta o rosto frio dos
cristãos envenenados de ódio e modernidade, desse juízo eletrônico bestial do
sangue doente dos bichos vencidos pelo baygon assassino da nossa era selvagem.
O som que zunia no meu pé d'ouvido era um vento
forte que trazia na minha cara o bafo de Fortaleza, e isso não comprometia a
alegria de ver voar no céu os anjos vadios ziguezagueando embriagado por essa
noite preciosa - o corpo aberto! - e vi muito além das ondas revoltas daquilo
que entendi como ordem universal uma estrela pousar por trás da jangada, era
algo estranho e maligno na sua fisionomia inaceitável de nossos pais, há tempos
vencidos pelo próprio tempo na sua ação transformadora e desordenadora das leis
vagas dos dias seguidos. O homem, que era um santo, que era um anjo, e era,
também, um bicho que me encarava por trás daquela escuridão sinistra, mas
contagiada de humor e patifaria dos que debocham do comum, fazia daquilo tudo
uma cena trágica de novela que rasgava os olhos dos brasileiros no horário
nobre, mas era só eu ali, e não a família brasileira, era somente eu, sem os
que mereciam ver tudo aquilo com significações diferentes, vendo o que devia
ser visto por todos, vendo a estrela que deveria pousar, leve como uma fada encantada,
na ponta do nariz dos nossos inimigos, era preciso jogar aquela estrela excêntrica
sobre a casa de nossos professores e espalhar sua luz nas ruas de toda essa
gente estúpida que tanto vemos, numa tentativa de fazer tudo ficar melhor e
transformar o incomum em comum.
Os homens olham para o asfalto negro em busca de
estrelas, as ruas se destroem em peso e violência dos loucos responsáveis, dos
loucos atarefados, atrasados, encarregados e blábláblá desse cotidiano
industrial. Fortaleza morre, os homens adoecem, os rios apodrecem e tudo isso é
encarado como algo natural, enquanto a estrela cadente que viaja por universos
de nossas mentes e pousa secretamente por trás da jangada noturna de nosso
oceano imaginário, navegado pelo toque de nosso raciocínio voraz a atingir a
velocidade da luz é tido como o que há de mais odioso no mundo.
O mundo é estranho, e a ordem está na perspectiva do
reflexo oposto do espelho.
O que é que uma cagada não faz...
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