quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Meu Pai

Meu pai me liga às 13:50 de uma quinta-feira que até então parecia vazia como qualquer outra, eu atendo e logo de cara me dou conta que ele tá bêbado pra caralho, eu achava que ia ser só mais uma ligação dessas que ele faz a cada 3 meses, só pra perguntar como eu tô, sem na verdade tá interessado em saber como que eu tô de verdade, mas não, ele tava muito bêbado, eu nem consegui entender o que ele tava falando direito, ligou pra falar de uma grana que eu tinha pedido pra ele quando tava em São Paulo, sem um puto no bolso e com um frio filha da puta, já que tava fazendo 4º graus e eu não tinha agasalho suficiente, bem, o fato é que ele não mandou grana porra nenhuma, mas eu consegui me virar, voltar pra Fortaleza bem, e na verdade com mais grana no bolso do que eu tinha ido, mas isso não é importante agora, eu perguntei como ele tava e ele me respondeu: “tô péssimo”, ele nunca tinha me dito isso, ele sempre fingia muito bem, como a maioria das pessoas, e falava que tava bem, falou que tava péssimo mas não queria dividir nada disso comigo, e aí ele começou a chorar, o que me chocou, já que eu nunca vi o meu pai chorar durante o tempo que vivi com ele, “eu sei que eu sou um péssimo pai, a porra de um pai ausente, me desculpa”, me prometeu grana, mas foda-se a grana, não é isso que é importante, eu fico pensando que eu vou ver o meu pai morrer e não vou ter a oportunidade de dizer pra ele que amo ele pra cacete, gosto do velho, se eu sou como sou hoje eu devo a ele, sim, a grande maioria dos defeitos, a depressão, um pouco da arrogância e da falta de carinho pela maioria das pessoas, a aparente boçalidade, o gosto meio que exagerado por uma dose de qualquer coisa, herdei esses defeitos dele sim, mas herdei também tanta coisa boa, o amor pela música, dos dias que ficava ouvindo Ednardo no colo dele, lá na nossa casa no Conjunto Ceará, o amor intenso que nutro por aqueles que amo, ter a coragem de abrir a boca e falar pra quem quiser ouvir quando eu tô insatisfeita, a rebeldia que herdei dele, dos tempos que ele andava de cabelão quando isso era mal visto por todos os vizinhos da vovó. É triste ver meu velho assim, desfalecendo, vendo que ele deixou o mundo ganhar, que ele deixou o mundo fazer com que ele sucumbisse, não tô falando que ele devia tá rico e com carro na garagem, mas ele virou essa coisa que só respira dia após dia esperando a hora de morrer em cada gole de cachaça que ele toma, e eu me pergunto se também não vou herdar esse fim dele. Duas filhas que ele não vê há quase uma ano, morando numa casa cedida pela mãe e tendo como companhia uma mulher com problemas psicológicos e um cachorro de rua, sem ninguém ligar muito pra ele, por que é todo mundo raso de dá nojo e enxerga ele como só mais um bêbado que não vai fazer falta nenhuma no mundo. É uma vida fudida e nem todo mundo sai ileso dela.

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