Despertado num quarto
claro, vi-me assustado pelo assombro do desconhecido.
Olhei para os cantos e
não consegui identificar nada de familiar. Não podia fazer isso porque aquele
espaço se revelava como algo novo, uma geografia que me impunha uma nova
experiência e que exigia de mim um maior entendimento da situação. Ainda assim,
sem compreender o alcance daquilo que se passava, busquei até onde minha vista
abarcava algum sinal que pudesse me traduzir a confusões que me surgiam diante
do agora vivido. Olhei pela janela e vi um céu que pela primeira vez se
revelava azul, mas não pude me levantar e ir de encontro com essa natureza.
Sentia-me pesado sobre a cama em que me encontrava em repouso. Meu peito doía
muito e minhas pernas estavam insensíveis a qualquer ação. Olhei então para uma
porta que se encontrava à minha direita. Busquei de toda maneira chamar a
atenção dos transeuntes que passavam pelo outro lado dessa porta. Ouvia vozes
sóbrias, mas não tinha conhecimento dos falantes.
Esperei sabe Deus
quanto tempo para que alguém viesse ao meu encontro e dizer o que estava
acontecendo. O tempo, no entanto, era outro e cada vez mais o dia se tornava
mais claro e mais bonito, porém sofrido porque minha inquietude me abalava crescentemente
pela falta de noção do percurso das coisas que aconteciam ocultamente ali.
Busquei aquele momento para criar uma paz e tomar controle sobre a violência
dos meus olhos que tremiam como se fosse uma grande represa a suportar a força
das águas revolta o mundo. Olhei para o teto, para todos os lados e para a
porta. Nada me dava notícia sobre nada.
Fechei os olhos e me
vi, então, sobre uma árvore, sentado na última folha de seu galho mais alto.
Numa mão eu tinha uma estrela fria e multicolorida ligada sensivelmente às minhas
ideias mais contidas e esquecidas, na outra eu tinha uma flor de bogari que
perfumava a atmosfera do vasto roçado visto ao norte da minha posição. Meu
corpo não era mais aquele que eu conhecia, estando agora sadio, cheio de vida e
reluzente na altura da boca. Vacas e bois cruzavam o campo abaixo de mim em busca
de repouso sob a árvore enquanto os bezerros famintos fuçavam as tetas das
vacas em busca do leite necessário num impulso instintivo de obedecer à vida.
Os bichos davam ao lugar um jeito fácil de lembrar-me das infâncias mais
marcantes. No entanto agora, sobre a árvore que me trazia vida e base de
sustentação e melhoramento, eu pensava apenas nas melhores maneiras de viver,
sempre visando os meios mais eficazes de acertar, de ser melhor do que fui há
tempos atrás. E certo dos meus erros mais pesados, refleti sobre as coisas menores,
vendo vivamente a minha projeção feliz e infantil correndo sobre a estrada do
bem, gritando meu próprio nome e sacudindo uma bandeira branca contra a vista
dos que se mantinham tristes e abatidos. Lá perto da curva, deparei-me comigo
mesmo novamente encontrando comigo, vi-me dizendo um olá amigo, dando um
conselho qualquer que me valeria muito e seguindo feliz pela rota que eu
escolhi para mim naquela hora urgente.
O vento batia contra
meu rosto e em cada choque eu ouvia uma oração encomendada aos meus ouvidos.
Então eu me aquietei e recebi todos os presentes que a mim chegavam. Cheiros e
sons pareciam diferentes diante das coisas que eu já estava acostumado. O
repouso já era mais fácil e o sossego bem vindo depois de tantas guerras vãs nas
noites humanas, onde os meninos chorosos encaravam a beleza da vida com a
ignorância dos que desconhecem o funcionamento do coração turvo dos seres
desinteressantes. O sossego chegava alegre como uma irmã aplicada que lhe
penteia os cabelos após o banho assistenciais e lhe conduz à mesa para a
primeira refeição do dia.
Despertei e percebi um
quarto ainda claro. O vazio, no entanto, foi devorado pela presença amiga de
muitos homens e mulheres cordiais que devotavam toda atenção ao meu estado e eu,
repousado onde estava, não me estimulei a perguntar nada, pois suas presenças
já me contentava. Apenas olhava a todos com uma interrogação expressiva no
rosto e todos ali, sem maiores esclarecimentos, apenas diziam que me amavam
muito e que moveram todos os seus esforços para o meu bem estar durante todos
aqueles anos.
O ambiente foi aos
poucos absorvido pelo meu entendimento. Passei então a lançar palavras
desconexas no ar, a me agitar, a perguntar por aqueles que havia anos que eu
não tinha noticias, a perguntara até mesmo sobre aqueles que eu julgava esquecidos.
E perguntei sobre tantas coisas que por horas perdi a linha do raciocínio
original. Sem que me satisfizessem a curiosidade, me ofereceram um comprimido e
me orientaram a tomar. Após fazer isso, alguém disse:
- Você já provou a
sutileza benéfica da reflexão. Entenda que hoje você está melhor. Agora é
indispensável o seu regresso à sua cidade. Vá e cuide de sua vida e de sua casa
que há muito está trancada e sem zelo. Para isso você tem a sua vida e suas
mais fortes vontades que lhe movem ao bem e lhe orienta às atitudes
indispensáveis diante da vida.
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