"Eu vi as melhores mentes da minha geração destruídas pela loucura", diz o poeta. Na minha época isso se deu não pela loucura da fuga da realidade, da busca por prazeres fugazes ou da beleza que vem da vida nas ruas. Muito pelo contrário, era essa loucura que sustentava essa geração. Eram as idéias, as músicas, as experiências de verdadeiros vagabundos iluminados que riam dos hipócritas nas suas salas de aulas, nas suas casas, nos seus bairros, no seu país, e que levavam a crítica como elemento fundamental, que os moviam. A loucura que destruiu suas mentes foi a da própria realidade, do dia-a-dia, da correria, do mata ou morre. A loucura do trabalho, das relações duras com a família, das fofocas dos vizinhos, dos estudos, da busca incessante pela concretização de projetos de vida que não foram feitos por você, e sim para você. Levavam uma vida obscena para muitos, mas que, para mim, foi ao mesmo tempo poética, doente, livre, destrutiva e exemplar.
Não eram suas vidas obscenas só porque não ligavam para os clichês da vida de concursados, funcionários públicos, profissionais liberais e afins, eram vidas experimentadas no calor das ruas e do som. Porém, o turbilhão concreto do mundo real os alcançou no olimpo que eles vivenciavam, sustentado pelo espírito das calçadas, das ondas da praia, das rodas nos shows de rock e na consciência inconsciente do mundo pútrido em que viviam e que os dividiu, e os forçou a se tornarem pessoas que respondem à patrões, que buscam avançar nas suas carreiras, que perseguem diplomas, cargos de engrenagem na máquina social caótica, burguesa, insensível e feia. Não sei se fizeram isso por opção, mas sei que as circunstâncias da vida lançaram um conjunto de cartas para cada um deles e cada um fez a sua jogada como pôde. Alguns receberam uma ótima mão e fizeram péssimas escolhas, jogadas imbecis com intenção de tentar permanecer dentro de um jogo sem saber que ele já tinha acabado. Outros receberam cartas que não lhes davam a menor perspectiva de um bom resultado, mas, contando com certa habilidade e sorte conseguiram se sair bem. E um deles recebeu cartas completamente inesperadas, mas que estavam no baralho da vida que todos levavam. Cartas que, para muitos, poderiam ser as piores possíveis, que acabariam com qualquer jogo, mas, esse único teve a capacidade de tornar aquilo uma vitória inconteste. Calou a boca de muitos que não acreditavam na sua vitória (e muitos que desejavam o seu fracasso), conseguindo um prêmio diferente de tudo que eu já pude conhecer. O maior prêmio da vida de um homem, e todos que estiveram na mesa de jogo com ele reconheceram isso. Mesmo após isso tudo, a vida lhe continuou dando cartas difíceis mas ele sempre teve coragem de fazer seu jogo dar certo. Mesmo cambaleante, arriscou jogadas inimagináveis para mentes mais fracas (como a minha) e conseguiu se sair por cima.
Acredito que ele e muitos dos que fizeram parte de sua geração são pessoas diferentes, por conta de tudo que eu pude ver. As forças que nos puxam para determinados rumos da vida fez com que eles se separassem, então, logo acabaram-se as bandas, as saídas, as brigas, as casas de praia, as festas, as calçadas, e, ao mesmo tempo, terminaram as discussões familiares, os problemas escolares/acadêmicos, as fofocas dos vizinhos criativos e os conflitos internos que eu sei que cada um teve nesse período. Mas de uma coisa tenho certeza, eles nunca perderam a fagulha da insanidade que os levou pelos caminhos que seguiram na juventude. Esta foi uma geração que uivou muito alto em meus ouvidos e que eu não tive como não ouvir. Agora, esse uivo ecoa em minha alma e eu tento aquietá-lo no meu viver. É um uivo que refletiu na minha geração, nos meus pares, e fez com que nós teimássemos vivenciar coisas incríveis, só de birra com o passado. Cada um de nós tentou viver à altura desses que vieram antes, contamos as suas histórias num misto de admiração e desprezo e sonhamos em ter na nossa vida experiências tão intensas quanto eles. Pensávamos se um dia a geração seguinte contaria histórias sobre nós, ou se passaríamos em branco. Até hoje pensamos isso. Eles foram verdadeiros pinos quadrados que acabaram tendo que forçar encaixe nos buracos redondos da vida, como todos nós eventualmente teremos que fazer antes da morte, mas, tenho a certeza de que esse encaixe não mudou plenamente as suas formas. Ainda há loucura neles, assim como sempre haverão os uivos das próximas gerações.